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Para não surtar em 2019: como controlar o estresse no trabalho durante o ano
Em um contexto de crise, mudanças trabalhistas e alto índice de desemprego — 12,2 milhões de brasileiros no último registro, em novembro — a resiliência é uma característica necessária. Contudo, ser resistente e flexível demais pode pôr em risco a saúde do trabalhador e afetar a equipe e a empresa.
Afora os casos mais severos de saúde , há formas de driblar o desgaste diário e natural no trabalho, como técnicas de escape que podem ser aplicadas durante o expediente.
E seja por valores, alinhamento de cultura ou por entender que cuidar da saúde física e mental do trabalhador se reflete diretamente em saúde financeira da empresa, as companhias investem em ações, quase sempre voltadas para atividades físicas e serviços que aliviam a tensão, como massagens e meditação.
Há ainda alguns mimos, como na L’Oréal. No escritório do Centro do Rio, os funcionários podem fazer as unhas, por exemplo. A diretora de remuneração e benefícios Patricia Mirilli explica que o serviço faz parte de um pacote de benefícios implementados recentemente, que inclui bermudas para homens, ginástica laboral, massagem e, em breve, um salão de beleza para os funcionários.
Manicure e massagem
Os custos de tais benefícios variam e podem ou não ser bancados pela empresa. Massagens rápidas e programas para corridas coletivas ou incentivos a uma vida mais saudável são as mais comuns.
A partir de uma pesquisa interna, a Votorantim S.A., por exemplo, começou a oferecer a massagem gratuita durante o expediente. De acordo com uma pesquisa interna para mapear a saúde dos funcionários, realizada anualmente, de 2017 para 2018 houve diminuição no número de profissionais que reclamam de dores nas costas. Em contrapartida, foi registrado aumento na concentração e produtividade.
Já no escritório do LinkedIn, em São Paulo, os funcionários têm reembolso de até R$ 4 mil para fazer drenagem, shiatsu e quiropraxia.
— Se não fizer na empresa, vai fazer fora e vai acabar saindo mais cedo. Há um ônus aí, o custo-benefício é bom. Não temos como mensurar, mas percebemos um engajamento maior. Estas pausas ajudam a oxigenar a mente — explica Alexandre Ullmann, diretor de RH do LinkedIn América Latina.
— Além disso, temos um instrutor de meditação duas vezes por semana. Também enviamos e-mails e recados incentivando a prática, e um aplicativo em que o profissional pontua suas atividades físicas e depois pode trocar por itens, como tapete de ioga e roupa de academia.
A fabricante de alimentos e chocolates Mars também oferece ações que ajudam a ter um ambiente mais agradável. Entre estas, manicure e sala de jogos, massagem rápida, orientação nutricional, grupos de corrida, dias de visita das famílias, animais de estimação no trabalho, consultoria gratuita para temas jurídicos, psicológicos e financeiros, expedientes reduzidos nas sextas-feiras e licença maternidade de 12 meses.
Outras empresas que oferecem serviços para a saúde do trabalhador são a Nestlé, com um programa que estimula mudanças de hábitos de vida; a Natura, que desenvolveu um canal com atendimento e consultas especializadas; o Club Med, com corrida anual, costureira e manicure; e a Vivo, com sala e aplicativo de meditação para os funcionários.
A Unimed-Rio também tem shiatsu e um clube de corrida para funcionários.
— Se o colaborador se sente bem cuidado, cuida bem do cliente. Sem contar que alivia o dia a dia e as pessoas acabam se integrando mais — diz Alessandra Cabral, gerente de recursos humanos da Unimed-Rio.
Não adianta massagem se o ambiente não for saudável
Doenças mentais ainda são malvistas e empresas não se deram conta de que a saúde do funcionário afeta suas finanças. Profissional deve saber a hora de sair
Para quem não tem estas ações paliativas no local de trabalho, a psicóloga especializada na saúde mental relacionada ao trabalho Karina Mesquita sugere que o próprio funcionário faça seu escape com atividades físicas, meditação e exercícios de respiração durante o expediente.
— Uma pausa de cinco minutos para falar com quem gosta e ter uma agenda pessoal ajudam a lembrar que você tem uma vida lá fora.
Wilma Dal Col, diretora do ManpowerGroup, acrescenta que entender o que está ou não no nosso poder de ação e de influência ajuda nesse processo.
— Muitas vezes, os momentos difíceis são a soma de muitas tensões, emoções e problemas misturados. Devemos botá-los em seu devido lugar, e não em todos os lugares.
Para Karina e Nelson Karam, do Dieese, as técnicas das empresas ajudam mas não resolvem o problema da exaustão crônica que leva às doenças psicossociais. É preciso coerência entre o que é dito e o que é praticado.
— Não adianta fazer massagem se a meta é inatingível, se houver assédio do chefe ou ameaça do desemprego. O ideal é oferecer um espaço de diálogo — diz Karam.
Segundo ele, a cada três anos, em média, as empresas mudam quase todo o seu quadro de profissionais no país.
— É mais fácil mandar embora do que resolver o problema — resume ele.
No Brasil, o preconceito e a falta de suporte são alarmantes em casos de doenças mentais causadas pelo esgotamento no trabalho. Por um lado, o próprio funcionário se sente fraco. Por outro, a empresa prefere cortar o colaborador.
— A saúde mental do trabalhador ainda é um tabu no Brasil. Países da Escandinávia estão mais avançados, com programas especiais para esse tema. As corporações lá já entendem que isso é um pilar para o mercado de trabalho.
Foi o caso da coordenadora administrativa Célia de Moura, que chegou ao limite na antiga empresa. Após constantes mudanças, de setor e de cidade, desvalorização, cobrança excessiva de resultados e da mãe doente, ela conta que entrou em depressão e foi afastada por quatro meses para tratamento. Na volta à empresa, foi demitida.
Célia, assim como milhares de profissionais, tentou segurar o quanto deu e não percebeu a “água esquentar”: — Você vai ficando porque precisa do dinheiro e, com 46 anos, achei que não teria espaço no mercado. Mas me arrependo de não ter saído antes. É melhor perder o dinheiro do que a saúde e coisas importantes, como a família — avalia Célia.
Se ficar o bicho pega
Karina chama a atenção para dois problemas recorrentes nas empresas: o absenteísmo (quando o funcionário falta com frequência ou se afasta), e o presenteísmo (quando apesar de estar fisicamente na companhia a cabeça está longe, e a produtividade cai).
— O Brasil está sendo considerado o “país mais ansioso” do mundo. O absenteísmo tem um índice de afastamento altíssimo e no presenteísmo o funcionário está doente e produz pouco, mas não fala com medo de ser demitido. Às vezes nem vai ao médico do plano para a empresa não saber… E isso afeta a equipe e a empresa, que talvez precise fazer uma nova contratação — explica ela.
Karina diz ainda que, quando as despesas pela improdutividade do trabalhador se tornarem mais palpáveis, as empresas vão começar a pensar mais no assunto.
O diretor da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e perito médico do INSS João Silvestre Silva-Junior acrescenta que o estresse é algo comum na vida profissional. O problema é quando a corda estica muito.
— Se não houver uma adaptação ou redução do estresse, isso vai levar à situação de esgotamento e exaustão, que podem gerar doenças como alcoolismo, depressão e ansiedade, assim como problemas musculares e gastrointestinais.
Ele concorda com os outros especialistas e explica que, no caso de transtornos mentais causados por um longo período de estresse, a depressão é a principal, sendo que ansiedade e síndrome do pânico têm crescido.
— Estudos mostram que, em épocas de crise, as companhias se reestruturam e nesse processo aumentam a carga e o estresse. Os profissionais trabalham mais, com o mesmo salário e as mesmas metas, fora a insegurança de ser demitido. Isso faz com que eles trabalhem doentes — diz Silva-Junior.
O que as empresas podem fazer antes, durante e após
O diretor da Associação Nacional de Medicina do Trabalho e perito médico do INSS João Silvestre Silva-Junior lembra que cada pessoa tem seu limite. E ressalta que é bom reconhecê-lo antes que se torne grave e que impacte a vida da pessoas.
Segundo ele, há algumas medidas que as empresas podem tomar, como negociar prazos e fazer cobranças mais próximas da realidade. Por outro lado, o funcionário também deve entender que prazos e metas fazem parte do trabalho. É uma questão de equilíbrio.
Silva-Junior defende que as empresas, além de ações paliativas como massagens e atividades físicas — que são importantes, ressalta — devem ir no “x” da questão.
— Não adianta estimular oito horas de sono e não dar chance para o funcionário almoçar ou descansar. É preciso gerenciar e mitigar as situações reais de estresse.
Outro problema é que muitas empresas não sabem lidar com as doenças.
— Tem que ter um serviço médico aberto para educar e acompanhar o profissional. E quando o funcionário já apresentou atestado, a companhia deve acolhê-lo na volta. Elas são obrigadas a receber, mas nem sempre isso acontece.
Pequenas pausas no dia
— Respire. Parece bobagem, mas respire fundo três vezes para ver se já não sente mudança. Hoje, há vários métodos de respiração, inclusive disponíveis na internet
— Tenha uma agenda pessoal e busque cumprir os compromissos nela com o mesmo empenho da profissional. Isso lhe ajuda a lembrar que há uma vida fora do trabalho
— Tire uns cinco minutos para um café ou para falar com alguém que goste
— Medite, ore ou algo que faça bem para a mente
— Atividades físicas também são fundamentais, pois, além do benefício à saúde, ajudam a aliviar a tensão do dia
— Se sentir que está cada dia mais difícil de acordar para ir trabalhar, sinal amarelo, busque ajuda de um profissional
— Tenha foco. Avalie se a cultura e os valores da empresa está de acordo com os seus
— Em casos de sobrecarga de horas ou metas que fogem da realidade, converse com seu gestor para ver a se há a possibilidade de ajuste
— Caso o estresse seja contínuo e ponto de deixá-lo doente, seja física ou psicologicamente, busque ajuda e, talvez, um novo emprego.